Odontologia do Esporte no Brasil

  Artigo, 11 de Ago de 2012

Dr. Mário Trigo, de pé, segunda da direita para a esquerda.

Dr. Mário Trigo, de pé, segunda da direita para a esquerda.

A preocupação com a saúde bucal dos atletas tem sido manifestada há poucos anos (TOSCANO, 2009). Segundo Assad (2007), em se tratando de evolução científica na preparação de jogadores no Brasil, ela não está completa, pois com exceção de alguns clubes brasileiros, os atletas não contam com um acompanhamento odontológico, apenas o dos médicos, sendo que o cirurgião-dentista trabalhando em conjunto com o médico poderia evitar algumas lesões durante as temporadas.

A história da Odontologia do Esporte no Brasil caminha com a história dos eventos desportivos e remonta à época da Copa do Mundo de Futebol de 1958, quando o Dr. Mário Trigo acompanhou a seleção durante a competição, e repetindo este trabalho nas Copas de 1962 e 1966, relatando as histórias dessas três competições e outras em seu livro “O Eterno Futebol”. Como cirurgião-dentista do time do Fluminense, Trigo relata ter observado que os jogadores que apresentavam maior demora na recuperação de contusões eram justamente aqueles que apresentavam focos dentários, sendo que com a eliminação destes a recuperação era mais rápida, facilitando a escalação do time. Em 1958 ao examinar a seleção brasileira de futebol, nos 33 jogadores foi obrigado a realizar 118 extrações (TRIGO, 2002).

Depois dele, comenta Toscano (2009) que Carlos Sérgio Araújo (1994, 1998 e 2002) foi quem representou a Odontologia na Seleção Brasileira de Futebol. Sendo o Brasil o único país do mundo que contava com um cirurgião-dentista permanente em sua delegação olímpica, desde 1963, quando aconteceram os Jogos Pan-americanos em São Paulo. Ainda no contexto olímpico, Toscano (2009) relembra o trabalho do cirurgião-dentista Aldo Forli Scocate, responsável pela saúde bucal dos atletas olímpicos, em Barcelona, que realizou 265 atendimentos, representando uma média de 14,6 casos por dia, um índice bastante alto para uma equipe com pouco mais de 300 integrantes. Como consequência deste trabalho estão a tranquilidade psicológica para os atletas, a performance muscular reconquistada e consequente melhora no rendimento.

Já nos Jogos Olímpicos o Brasil contava com um cirurgião em sua equipe de saúde desde as Olimpíadas de Sydney, em 2000. Nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, por sua vez, o Brasil foi representado por 245 atletas, recorde de sua participação na história dos jogos olímpicos e, assim como no Pan-Americano de 2003, o país contou com a presença de um cirurgião-dentista na comissão de saúde, sendo que nesta competição, a delegação brasileira foi a única a ter um cirurgião-dentista exclusivo à serviço dos atletas (TOSCANO, 2009).

A Associação Brasileira de Odontologia (ABO) é idealizadora do projeto de lei PL 5391/2005 que obriga a presença de CD especializado em odontologia desportiva em competições, sendo esse projeto encampado e apresentado por Gilmar Machado (PT-MG) na Câmara dos Deputados (Proposições13 2007, Regimento14 2007).

Segundo Costa (2008), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) assinou com a Universidade do Grande Rio (Unigranrio) em 1992 um acordo para o desenvolvimento de um programa de tratamento com os jogadores convocados para as equipes nacionais. O autor relata os resultados deste convênio nos primeiros cinco anos, de 1992 a 1996, sendo atendidos 283 jogadores da seleção masculina de futebol com idade entre 14 e 34 anos. A Unigranrio realizou 557 exames clínicos e concluiu que 33% dos jogadores convocados para a seleção não têm qualquer problema bucal, 47% apresentam problemas pequenos e 20% são acometidos por problemas sérios. 51% dos jogadores analisados possuíam todos os dentes, a despeito de 91% dos atletas estarem na faixa etária de 14 a 21 anos. Dentre todos os examinados, 46% apresentaram perda de um a cinco elementos. Sobre os hábitos viciosos, destacam-se 54% que roem unhas ou comem peles dos dedos e 8% que apresentam bruxismo, respiração bucal, deglutição atípica ou hábito de chupar o dedo. 29% dos atletas tinham maloclusões Classe II de Angle e 5% de Classe III. Quase metade (47%) dos jogadores tinham problemas na articulação têmporo mandibular.

Costa (2008) relata que dos 42 clubes que forneceram jogadores para a seleção brasileira nesse período, apenas dez contavam com consultórios odontológicos em suas sedes, concluindo que os clubes de futebol na sua grande maioria não contam com cirurgiões-dentistas trabalhando em suas comissões técnicas, utilizando-se de serviços terceirizados, visando muito mais o tratamento curativo do que o preventivo.

Um aspecto positivo no Brasil é o aparecimento de algumas instituições que se dedicam ao estudo e aplicação da Odontologia do Esporte, obtendo resultados positivos nos últimos anos. Uma delas é o CODEC, o Centro de Odontologia do Esporte do CETAO (Centro de Estudos Treinamento e Aperfeiçoamento em Odontologia), coordenado pelos Drs. Hilton Sadayuki Tiba e Alexandre Jun Ueda, que cooperando cientificamente com a Universidade Japonesa de Nihon, está realizando diversas pesquisas sobre a aplicabilidade de técnicas na Odontologia do Esporte no Brasil. Segundo Ueda (2009), no Japão a Odontologia do Esporte já está consolidada há mais de 20 anos e que o intercâmbio com o país favorece a troca de conhecimento e experiência. Um resultado dessa troca é que hoje o CODEC dispõe do PROBI (protetor bucal individualizado), como um de seus dispositivos desenvolvido pela equipe e utilizados na prática esportiva, desenvolvido com técnica 100% nacional.

O CETAO organizou em outubro de 2009, o I Fórum de Odontologia do Esporte para Atletas de Alto Rendimento, reunindo 90 pessoas de diversas profissões da saúde, em São Paulo, concentrando a discussão sobre a presença do cirurgião dentista nas equipes de saúde de clubes e de federações esportivas.

Pode-se citar ainda a SBOESP, Sociedade Brasileira de Odontologia do Esporte, fundada em 2006, como intuito de congregar profissionais de Odontologia e empresas especializadas em Odontologia, visando estender o conhecimento tecnológico ao esporte nacional e internacional.

Segundo Moura (2004), foi formada no Conselho Regional de Odontologia de São Paulo uma Comissão de Odontologia Desportiva e, no Ginásio do Ibirapuera, o 1º Centro de Odontologia Desportiva do Brasil, sendo neste último, tratados atletas como Eder Jofre, bi-campeão mundial de boxe e Zequinha Barbosa, campeão pan-americano de atletismo, Maurren Maggi, campeã brasileira de salto triplo, George Arias, campeão brasileiro de Boxe e ainda Paulo Zorello e Francisco Veras: tri-campeão mundial e campeão pan-americano de kick-boxing. Também são tratados atletas da Seleção Olímpica de Boxe, de Handball Feminino e todos os atletas olímpicos do projeto Futuro do Ibirapuera (SEIXAS, 2010).

A criação deste primeiro centro de Odontologia Desportiva do Ibirapuera, e da Comissão de Odontologia Desportiva do CRO-SP, segundo Seixas (2010), deu-se por meio do interesse de dois profissionais, o cirurgião-dentista e professor de educação física José Carlos Teixeira Winther e o cirurgião-dentista especializado em cirurgia buco-maxilo facial César Augusto Bertini Donadio, que percebeu que no hospital em que trabalhava os traumas desportivos correspondiam em número ao terceiro atendimento de traumas de face. Somando-se a este fato o de que a respiração bucal diminui em 22% o rendimento de um atleta e o entrave que representa para ele uma infecção bucal. Os dois profissionais passaram a observar vários esportes, principalmente as lutas marciais e criaram um curso em Odontologia do esporte. Os bons resultados deste projeto tornaram-se conhecidos pelo CRO-SP que sugeriu então a formação, dentro da entidade, de uma Comissão de Odontologia Desportiva. O secretário estadual do Esporte e Turismo convidou-os para que formassem o primeiro Centro de Odontologia Desportiva no Ginásio Ibirapuera.

Poucos são os times de futebol profissional que utilizam a Odontologia como recurso no país. Bons exemplos são os times mineiros Cruzeiro e Atlético, que segundo o informativo da ABO de Minas Gerais de agosto de 2006, possuem serviços odontológicos próprios e garantem atendimento aos seus atletas já há algum tempo.

Um estudo realizado no Rio de Janeiro verificou a prevalência de trauma dental em atletas que representaram 42 países competidores do Pan-Americano 2007, e buscou determinar o uso e o tipo de protetor utilizado pelos atletas. Foram analisados 409 atletas, 55% homens e 45% mulheres, a prevalência de trauma dental entre eles foi de 49,6%, sem diferenciação de gênero. 63,6% das injúrias aconteceram durante treino ou competição, sendo os esportes com a maior prevalência de traumas a luta (83,3%), boxe (73,7%), basquete (70,6%) e o karatê (60%). A lesão mais comum apresentada foi fratura de esmalte, e a menos comum foi fratura radicular, e os dentes mais afetados foram os incisivos centrais superiores (maior proporção) e inferiores. Apenas 17% dos atletas relataram o uso de protetor bucal sendo o mais comumente utilizado o modelo “ferve e morde” (tipo I). Segundo Andrade (2007), os resultados encontrados reforçam a importância dos esforços em educação para a prevenção de traumas e injúrias, com o uso de protetores bucais em atletas profissionais, principalmente nos esportes onde o uso do protetor bucal é obrigatório.

Realizou-se um estudo (2010) semelhante ao do Rio de Janeiro por pesquisadores de Pelotas, em 40 times envolvidos na primeira e segunda divisões da liga de futebol profissional do Brasil, em 2007, e buscou-se verificar a ocorrência de traumas dentais em jogadores profissionais de futebol brasileiros, o nível de conhecimento sobre os protetores bucais e as condutas adotadas nos casos de trauma durante o jogo.

O estudo deu-se por meio de questionários fechado para os responsáveis pelo departamento de saúde dos clubes e, dos 38 que responderam, constatou-se que 71.1% reportaram a ocorrência de algum tipo de trauma durante a prática desportiva, sendo 74,1% fraturas dentais e 59,3% avulsões. Aproximadamente 50% responderam que o reimplante bem sucedido pode ser realizado num período de 6 a 24 horas após o trauma e 27,8% não sabiam como responder esta questão. Quase a metade dos pesquisados não conheciam os protetores bucais e apenas 21,6% recomendam seu uso por seus jogadores. Os que não recomendam justificam sua resposta julgando que o dispositivo não é necessário. Também atingindo quase a metade dos clubes pesquisados a não participação de cirurgiões-dentistas no departamento de saúde.

Destaca-se pelo autor a falta de informação dos departamentos de saúde sobre condutas emergenciais e a prevenção do trauma dental (CORREA, 2010).

Outro estudo realizado em Bauru buscou verificar o conhecimento do atleta amador sobre os cuidados em saúde bucal constatando que mesmo os atletas não possuindo o conhecimento considerado ideal sobre higiene bucal e da correlação existente entre saúde geral e saúde bucal, são conscientes de que uma boca com problemas pode causar problemas maiores e comprometer seu desempenho e julgam muito importante o acompanhamento feito por um cirurgião-dentista em treinos, jogos e competições. Contudo 33% dos atletas pesquisados não frequentam consultório odontológico, sendo o maior motivo a dor (RODRIGUES, 2005).

O diagnóstico precoce e o tratamento de condições dentais que afetam os atletas irão garantir a boa saúde bucal. O profissional precisa estar ciente da variedade de problemas dentários que podem ocorrer, e da possibilidade de evitar traumas dentários significativos e manifestações agudas, no momento da competição (FOSTER, 2009).

Os estudos disponíveis na literatura concordam sobre a necessidade da conscientização das instituições de saúde, educação e esportivas visando estimular os praticantes de esportes e a comunidade em geral a uma prática esportiva segura e a uma maior atenção aos cuidados de higiene bucal e acesso ao atendimento odontológico (CANTO, 1999; FERRARI, 2002; MOURA, 2004; DIAS, 2005; RODRIGUES, 2005; SIZO, et al., 2009; TOSCANO, 2009; CORREA, 2010).

BIBLIOGRAFIA

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ANDRADE, R. et al, Prevalence of dental trauma in Pan American games athletes, Dental Traumatology, Rio de Janeiro, vol. 26, 248-253, 2010

ASSAD, M. Odontologia é esquecida nas comissões técnicas, Universidade do Futebol, 2007. Disponível em: Acesso em 12/09/2010

CANTO, G. L.; OLIVEIRA, J.; HAYASAKI, S. M.; CARDOSO, M. Protetores bucais: uma necessidade dos novos tempos. Revista Dental Press. Ortodontia e OrtopediaFacial, v. 4, n° 6, p. 20-26, nov/dez, 1999

CETAO - Centro de Estudos Treinamento e Aperfeiçoamento em Odontologia, Página Oficial disponível em: Acesso em 08/09/2010

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CORREA, M. B., Survey analysis on the occurrence of dental and preventive strategies among professional Brazilian soccer players, Journal of Applied Oral Science, vol. 18, nº 6, p. 572-6, dezembro, 2010.

COSTA, G. Atletas da Seleção Brasileira confirmam negligência com saúde bucal, Universidade do Futebol, 2008. Disponível em: Acesso em 12/09/2010

DIAS, R. et al, Problemas Odontológicos X Rendimento Esportivo. Revista de Odontologia da Universidade de Santo Amaro, vol. 10, nº 2, p.28 – 31, jul./dez. 2005

FERRARI, C. H. Dental trauma and level of information: mouthguard use in different contact sports, Dental Traumatology, São Paulo, vol. 18, p. 144-147, junho, 2002

FOSTER, M; READMAN, P. Sports dentistry--what's it all about?, Dental Update, vol 36, nº 3, p.135-8, 141-4. abril, 2009

MOURA, A.P.F.; Odontologia desportiva e o desempenho dos atletas, Hospitalar, 2004. Disponível em:Acesso em 12/09/2010

PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, Rio, cidade-referência do esporte rumo ao Pan-2007, Coleção Estudos da Cidade – Rio Estudos nº 151, Abril, 2005. Disponível em: Acesso em 12/09/2010

RODRIGUES, H., Padrão de conhecimento do atleta amador de Bauru- SP, relacionados aos cuidados de saúde bucal, Dissertação apresentada à Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, Bauru, 2005, 149 p

SEIXAS, L. Odontologia Desportiva em ação. Medcenter Odontologia, 2010. Disponível em: Acesso em 13/09/2010

SIZO, S. R. ; SILVA, E. S. ; ROCHA, M. P. C. ; KLAUTAU, E.B. . Avaliação do conhecimento em odontologia e educação física acerca dos protetores bucais. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v.15, p. 282-286, 2009.

TRIGO, M. O Eterno Futebol, Brasília, Editora Thesaurus, 2002, 240p

TOSCANO, R. Odontologia Desportiva na luta pelo reconhecimento. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo, vol. 21, nº2, mai/ago, 2009. Disponível em: Acesso em 12/09/2010

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Dra. Ana Clara

Cirurgiã-Dentista

 Balneário Camboriú, SC

Dra. Ana Clara é Cirurgiã-Dentista em Balneário Camboriú, SC - Brasil. Possui graduação em odontologia pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Atua como... Leia mais

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